8.6.09

Cegueira, parte dois

Na manha seguinte, Franz estava sem orientacao, sem nocao de espaco. Talvez a cegueira de um dia tenha lhe deixado assim? Ainda deitado na cama, nao sabia onde estava a parede, a porta, o abajur, nada. Nao queria abrir os olhos e descobrir que nao estava mais cego ou que a parede tinha mudado de lugar. Talvez porque nao queria voltar a sua terra natal? Que nunca foi natal? Mas seu outro sentido estava lhe chamando. Escutava um ruido. Onde estava? Foi abrindo de devagar, e um feixe de luz entrando, quando no canto do quarto avistou um ser grande, de costas, de saias, bracos gordurosos, cabelos assanhados. Imediatamente fechou os olhos, pois aquele "ser" poderia lhe atacar se desconfiasse que estivesse acordado. Mais uma fisgada no olhar e descobriu que "aquilo" estava arrumando suas roupas intimas no armario: meu Deus, era a empregada domestica! Acabava ali sua vida privada; assim aconteciam as coisas no Brasil. A fronteira entre o publico e o privado era muito sutil. Ele tinha que se ajustar ao novo contexto. Entretanto, esse seria seu grande desafio, pensou. Depois de se recuperar do susto, conseguiu se levantar e tomar banho. Nao que tudo aquilo fosse anormal para ele, mas pelo contrario, tinha perdido o habito, o costume... Chegou na cozinha, a mesa estava estilo hotel cinco estrelas. Bem, afinal de contas estava visitando seus sogros e talvez quisessem dar uma boa impressao. Todos chegaram. Comecou o tiroteio. De onde vc eh, o que vc faz, quanto vc ganha, onde vc mora, qual o seu carro, qual a sua estirpe, e ai por diante. Quando nao perguntadas diretamente, indiretamente. Quando nao perguntadas seriamente, perguntadas com risadinhas nas entrelinhas. Quando nao perguntadas respeitosamente, perguntadas pejorativamente. Quando nao perguntadas na Rosa dos Ventos, ja' na dicotomia Norte-Sul, ou diria Nordeste-Sul, Paraiba-Sulista, e ai' por diante. Agora sim, Franz tinha certeza que voltou a enxergar. Pegou suas malas e foi direto ao aeroporto. Precisava ir para longe do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Personagens

Cassandra: tradutora que trabalha para importante editora especializada em livros de biografia e historia. Ela e' o tipo de pessoa que nao consegue se encaixar numa vida social normal; encontra, muitas vezes, no isolamente, sua fulga, e nos livros seu refugio.

Cassandra: a translator who works for an important publisher specialized in biography and history books. She is the kind of person who cannot fit in a normal social life; she finds, most of the times, in self-confinement,
her scape, and in books, her refuge.
____________________________________________

Napo: ex-filho de militar e roteirista de cinema cuja vida foi acabada pelo alcool e drogas. Esta' em constante conflito interno consigo mesmo: perturbado, afetado. Atualmente, vive de pensao do sindicato.

Napo: ex-military-kid and film screenwriter whose life was ruined by alcohol and drugs. He seems to be always in a long-lasting and permanent state of self-conflict. Nowadays, he lives from the Union's financial support.
____________________________________________

Garcia: cobrador de onibus e membro ativo do partido comunista. Possui ampla biblioteca particular sobre o tema, tornando-se inclusive referencia partidaria. As vezes, seu fanatismo torna-se tao paradoxo que passa a ser ate' mesmo romantico.

Garcia: bus driver and member of the communist party. He became a political reference in the party due to the large collection of books in his private library. Such a fanatic with paradoxical ideas that sometimes he is called "The Romantic".
____________________________________________

Franz: editor de guia artistico-cultural. Participa de projetos pelo mundo afora, geralmente patrocinado por ONG's para atualizar e trocar experiencias. Seu constante desafio e' nao deixar transparecer sua falta de sentimento "nacionalista".