30.5.09

Os Soldados da Borracha e a Fordlandia

Garcia abriu o jornal de domingo e encontrou uma chamada que parecia feita para ele, pensou o entusiasmado rapaz. Buscava, melhor dizendo, recrutava pessoas interessadas em juntar-se aos “Soldados da Borracha”. Esses paramilitares foram convocados pelo governo brasileiro para combater grupos guerrilheiros patrocinados pelos americanos, interessados em criar um pais independente chamado “Fordlandia” no Estado do Acre. A intencao dos Estados Unidos, alem de finalmente conseguir uma parte da amazonia, era ter um fornecedor vitalicio de borracha para sua industria automolistica. A presenca do governo brasileiro naquele Estado era muito deficiente, e por isso uma acao imediata deveria ser tomada. Garcia queria fazer parte da historia! Fechou o jornal com tanta forca que estracalhou o papel; mas por sorte ainda conseguiu ler o telefone de contato do anuncio. Nao perdeu um minuto. Telefonou e descobriu que haveria uma caravana de 10 onibus saindo no dia seguinte as 6 horas da manha. Pegou sua mochila, colocou seus itens pessoais, o Manifesto do Partido Comunista, separou seu jeans, sua camiseta vermelha do partido, escovou suas botas, e foi dormir. Na manha seguinte estava no onibus 4. No trajeto que demoraria 3 dias, descobriu que quase 90 por cento dos soldados eram cearenses, seringueiros, que tinha construido suas vidas no Acre, e que na verdade estavam voltando, porque tinham sido expulsos pelos guerrilheiros. Garcia comecou a ficar interessado na vida daquelas pessoas, todas como ele, trabalhadoras, maos calejadas, caras enrrugadas; jovens velhos. Lutando pelo Brasil, ou simplesmente buscando um cantinho para trabalhar e uma casinha para criar a familia? Nao, nao pode ser assim, tao seco! Sem idealismo! Pensou logo o apaixonado comunista. Comecou a pensar em uma maneira de como convencer aquelas pessoas todas de que existe algo maior, mais grandioso, naquela viagem. Nao podia ser somente “aquilo”. Afinal de contas uma “Gringolandia” estava a ponto de ser instaurada! Se fosse pelo menos uma revolucao comunista! De qualquer forma, sao nesses momentos de espirito guerreiro que a uniao e’ propagada, e por isso deveria haver um idealismo para manter a coesao, pensou Garcia. E esse papel estaria nas maos do Comunismo Brasileiro! Tinha 72 horas de estrada para tentar acender a chama da "paixao". No primeiro dia, ressaltou a importancia e o “por que” deles estarem indo ate’ tao longe em nome do Brasil para proteger e reassegurar o territorio em perigo. A presenca dos soldados da borracha e tropas federais estaria confrontando e expulsando os guerrilheiros para reafirmar a forca brasileira. Depois desse momento, o governo certamente estaria estimulando o financiamento de terras, a juros baixos, para aumentar a ocupacao territorial e aumentar a presenca brasileira no local. Garcia tinha que dar todas essas explicacoes nas paradas dos onibus para que todos pudessem ouvi-lo. Pareciam estar se interessando bastante. Estavam preparados para o segundo dia, pensou. Na parada do posto de gasolina, pediu ao motorista se poderia prolongar-se um pouco para poder falar com todos os soldados dos outros onibus tambem. Comecou seu discurso: meus camaradas, vamos ao Acre para expulsar os guerrilheiros contratados pelos gringos! E faremos com muita coragem, pois todos estamos unidos com unico objetivo: vencer ou morrer! Ouviu-se em unissono: Viva o Acre!!! Garcia desceu do palanque improvisado, e falando em voz menos impolgada comecou a explicar que depois desse primeiro momento, o governo estaria taxando tudo e todos para recuperar o tempo perdido naquele pedaco de terra esquecido. Ate mesmo porque seria condicao necessaria para mante-los protegidos; ou seja, para manter uma forca militar permanente na area. Foi ao banheiro. Comecou uma movimentacao estranha como se as pessoas tivessem sido pegas de surpresa. Estavam agora, um pouco perdidas… Mas ate’ ai tudo bem, pois afinal de contas, os impostos foram feitos para serem retribuidos em forma de bens publicos. Qual o problema? O papel do Estado e’ servir ao povo. E precisa de dinheiro para isso, pensaram as pessoas. Desde que seja justo, disse um mais empolgado. Todos entraram nos onibus e prosseguiram a viagem. Depois de 60 horas de viagem, antes de chegar no destino final, Garcia solicitou ao motorista uma parada. Camaradas, vamos ao Acre expulsar os guerrilheiros e impedir os americamos de instaurar a “Gringolandia” em nosso territorio! Juntos venceremos! Todos unidos em um unico objetivo: vencer ou morrer! Ouviu-se em unissono: Viva o Acre!!!! Novamente Garcia desceu do palanque improvisado e comecou a explicar em voz firme o perigo dos guerrilheiros vencerem. A etapa seguinte, se a “Fordlandia” fosse instaurada, seria a mais terrivel, pois os seringueiros teriam que vender suas forcas de trabalho para as grande empresas do local para sobreviver, e serao alienados. Nao trabalhariam mais para eles mesmos, mas para os grandes capitalistas! Depois desse ultimo discurso, sentiu que conseguiu finalmente apaixonar aquelas pessoas. Chegaram no Acre e arrasaram com os guerrilheiros em 5 dias. Como recompensa, o governo brasileiro ofereceu para cada soldado uma casa e um emprego. Um ano depois, ja’ no ritmo normal de sua vida de cobrador de onibus, ao chegar em casa, percebe em sua caixa de correspondecia um cartao postal com uma foto de uma linha de producao: Prezado amigo, no final, a grande empresa Ford acabou se instalando aqui, pois o governo brasileiro lhe concedeu isencao fiscal por 20 anos. Mas olha, acho que voce estava enganado sobre essa incrivel empresa. Antes eu era seringueiro, e ganhava pouquissimo. Agora, estou muito bem empregado e ganho 100 dolares por mes para trabalhar 50 horas por semana!

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Personagens

Cassandra: tradutora que trabalha para importante editora especializada em livros de biografia e historia. Ela e' o tipo de pessoa que nao consegue se encaixar numa vida social normal; encontra, muitas vezes, no isolamente, sua fulga, e nos livros seu refugio.

Cassandra: a translator who works for an important publisher specialized in biography and history books. She is the kind of person who cannot fit in a normal social life; she finds, most of the times, in self-confinement,
her scape, and in books, her refuge.
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Napo: ex-filho de militar e roteirista de cinema cuja vida foi acabada pelo alcool e drogas. Esta' em constante conflito interno consigo mesmo: perturbado, afetado. Atualmente, vive de pensao do sindicato.

Napo: ex-military-kid and film screenwriter whose life was ruined by alcohol and drugs. He seems to be always in a long-lasting and permanent state of self-conflict. Nowadays, he lives from the Union's financial support.
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Garcia: cobrador de onibus e membro ativo do partido comunista. Possui ampla biblioteca particular sobre o tema, tornando-se inclusive referencia partidaria. As vezes, seu fanatismo torna-se tao paradoxo que passa a ser ate' mesmo romantico.

Garcia: bus driver and member of the communist party. He became a political reference in the party due to the large collection of books in his private library. Such a fanatic with paradoxical ideas that sometimes he is called "The Romantic".
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Franz: editor de guia artistico-cultural. Participa de projetos pelo mundo afora, geralmente patrocinado por ONG's para atualizar e trocar experiencias. Seu constante desafio e' nao deixar transparecer sua falta de sentimento "nacionalista".